sexta-feira, 21 de abril de 2017

SUPONHAMOS
Vamos supor, por exemplo,
Um sol que estes céus fendia
E se oferecia em calor,
E que em nós dois se acendia
Uma chama de alegria
Em cada gesto de amor,
Trocado no nosso templo.
Vamos supor, por exemplo...

Por exemplo, suponhamos,
Um arco-íris no ar,
Um riso de vagabundo.
Que conseguimos achar,
Um jeito de festejar,
Em cada simples segundo,
O muito que nos amamos.

Por exemplo, suponhamos...
  
Ponta Delgada, 2010-05-07

LET'S SUPPOSE


Let us suppose, for example,
A sun that splits these skies
And offers itself in heat,
And that light's up in the two of us
A flame of joy
In every gesture of love,
Shared in our temple.
Let's suppose, for example ...


For example, let's suppose,
A rainbow in the air,
A tramp laugh.
What we could find,
A way of celebrating,
In every single second,
How much we love each other.

For example, let's suppose ...


Ponta Delgada, 2010-05-07


_____________________________________


SEI DUM POEMA
 
Eu sei dum poema louco
Nascido dum grito rouco,
Que por pouco
Se calou.
Também dum poema pomba,
Alva, branca. De mim zomba.
Sonho-bomba
Que estourou.
Sei do poema indigente,
Tingido de inteligente.
Do demente
Que alucina.
Do poema que não diz,
De feiticeiro aprendiz,
Meretriz,
E concubina.
Sei do poema matreiro,
Velado, mas verdadeiro,
Sorrateiro,
Que desperta.
Amo o poema, que arrasa
Vento, fúria que extravasa,
Golpe de asa,
Que liberta!

I KNOW ABOUT A POEM

I know about a crazy poem
Born of a hoarse cry,
So narrow
To shut up.

I know also about a dove poem,
White. It mocks me.
A dream bomb
That burst.

I know about the indigent poem,
Dyed smart.
Demented
That hallucinates.

And about the poem that does not say,
As an apprentice sorcerer,
Whore,
And concubine.

I know the sly poem,
Veiled, but true,
Sneaky,
That awakens.

I love the poem, which devastates
Windy, furious that overflows,
Wing blow,
What sets you free!

Aníbal Raposo
Relva, 2012-11-23


_____________________________________________




ONDE CAÇAR VERSOS

No musgo do tronco duma velha árvore;
Na manhã radiante dum sorriso breve;
Num abraço rubro, sol na tua face;
No verde de esperança das folhas dum trevo;

Nas nuvens de vento que riscam os céus;
No vermelho chama da cor dos teus lábios;
Nos olhos escuros da moira encantada;
Nas tocas de coelho com palavras quentes;

Na força medonha das ondas do mar;
Nos jornais que vestem os seres sem abrigo;
Na alegria à solta em cada criança;
No jeito dum pisco de peito laranja;

No espelho de água junto da nascente;
Numa mão sincera que nos é estendida;
No amor ao outro, sentido e profundo;
No botão da rosa janela do mundo.

Relva, 2015-05-29
Aníbal Raposo

_________________________________________

A ÚLTIMA NOITE

Quando te fizeste à estrada
Naquela noite tão comprida
Estavas longe de entender
Que ela seria
A última noite
Da tua vida

Lá dentro do bar
Entre copos e folguedos
Tinhas bebido o fel da desilusão
A menina dos teus olhos, tua amada
Decidira por fim
Dar a outro a sua mão
Era mais do que podias aguentar
Foi uma faca que te rasgou o coração

Cada palavra era uma teia de embaraços
Cada sorriso era assim como um açoite
E com a alma já desfeita em mil pedaços
Decidiste mergulhar na noite

Rola-te uma lágrima pela cara abaixo
Deixa-te na boca um gosto a sal
Tens a visão já um pouco embaciada
Doi-te a cabeça
Sentes-te mal

Os faróis dos carros parecem fogos fátuos
Assim como clarões no nevoeiro
O teu orgulho está feito num farrapo
Sentes contra ti
O mundo inteiro
É então que resolves começar a abrir
Ao menos na estrada serás o primeiro

Agora sim tu és o rei da noite
Voas na vertigem da velocidade ...

(Ouviu-se um baque surdo e nem te deste conta
Que abrias uma porta
Na eternidade)

THE LAST NIGHT

When you hit the road
in that long night
You were far from understanding
That it would be
The last night
Of your life

Inside the bar
Between glasses and revels
You had drunk the gall of disappointment
The apple of your eyes, your beloved
Had finally decided
Give her hand to another guy 
It was more than you could handle
It was a knife that riped your heart.

Every word was a web of embarrassment.
Every smile was like a whip
And with the soul already undone in a thousand pieces
You decided to dive into the night.

A tear rools down in your face
And leave a taste of salt in your mouth
Your vision is already a little foggy
You have a head ache
You feel bad

The headlights of the cars look like lights of illusions
Like flashes in the fog
Your pride is like a rag
You feel that the whole world
is against you.
Than you resolve to drive quicker
At least on the road you'll be the first

Now you are the king of the night!
You fly in the vertigo of speed ...

(A thd was heard and you did not even notice
That you were opening a door

in eternity)


___________________________


POEMA PARA O MEU AMOR

Há voos de pássaros nos teus olhos castanhos de sereia
Batuques africanos no balouçar do teu corpo de gazela
Há frutos maduros na tumidez dos teus pequenos seios
E promessas loucas na humidade dos teus lábios entreabertos

Há como um tango argentino no desafio da tua cintura estreita
Há um doce encanto no urdir das tuas trancinhas de menina
Há estranhos sortilégios escondidos em tuas mãos de fada
E há rouxinóis magoados de cada vez que cantas

Há ondas de ternura neste teu jeito suave
E danças peruanas nas tuas ancas pela alba
Há calor dos trópicos no aperto dos teus braços tão sinceros
E uma paz das ilhas no teu macio leito de princesa

Há druidas, de novo, preparando filtros à sombra de carvalhos
E lagos privados onde nadam altivos cisnes brancos
E há luas de fajãs que riscam no mar trilhos de prata
E nascentes de água que brotam do teu riso cristalino.

Aníbal Raposo
Maré de Agosto de 2003 
Dia 22 
Santa Maria


POEM FOR MY LOVE

There are flights of birds in your brown mermaid eyes.
African batuques in the swing of your gazelle body
There are ripe fruits in the softness of your little breasts
And crazy promises in the dampness of your parted lips

There's like an Argentinean tango in the challenge of your narrow waistline
There is a sweet charm in the weaving of your little girl braids
There are strange spells hiding in your fairy hands
And there are nightingales hurt every time you sing

There are waves of tenderness in this gentle way.
And Peruvian dances in your hips at dawn
There is heat of the tropics in the grip of your arms so sincere
And a peace of the islands on your soft princess bed

There are druids again, preparing filters in the shade of oaks
And private lakes where haughty white swans swim
And there are moons of fajãs that scratch in the sea silver rails
And water springs that sprout from your crystalline laughter.

_________________________________________

INVERNO

Três anjinhos brancos a nadar no inferno
Dizem-me que hoje começa o inverno.
Um dia maior só por ser tão curto
Num país de escolas da arte do furto.

Há carniça fresca e abutres em luta
E um galo de fraque servindo sicuta.
Em Belém há casas bem mal frequentadas
O demo é solista de missas cantadas.

Paciências chinas num infindo advento
Rios tão educados no seu movimento.
Se a porca já guincha vem aí matança
Um servil mordomo é o mestre da dança.

Numa mãe ditosa feita meretriz
Um robô biónico fala mas não diz.
Um eterno seguro em equilíbrio instável
Enorme eucalipto medra em terra arável.

As velas da esperança não chegam à costa
Cospem-nos em cima e a gente gosta.
Mil e uma peças, os mesmos atores
Duas mil mentiras, três mil impostores.

Vamos erriçados em patranhas tantas...
Oh mar do capelo quando te levantas?

Relva, 2013-12-21
Aníbal Raposo

WINTER

Three white angels swimming in hell
They tell me that winter starts today.
This is a great day just for being so short
In a country plenty of schools of the art of theft.

There are fresh carrion and fighting vultures
And a morning dressed rooster serving hemlock.
In Belém there are a lot of whore houses
The devil is soloist in sung masses.

We have Chinese patience in an infinite advent
And rivers so polite in their movement.
If the sow is already squeaking, killing is on way
A servile butler is the master of the dance.

In a bliss mother made whore
A bionic robot talks but does not say anything.
An eternal secure in unstable equilibrium
A huge eucalyptus thrives on arable land.

The sails of hope do not reach the shore.
They spit on us and we like it.
A thousand and one of stage plays for the same actors
Two thousand of lies, three thousand of impostors.

We are caught up in so many fudges ...
Oh rough sea when will you arise?



_______________________________________________

UM TOLDO AMARELO

Uma cabana
Um toldo amarelo
Um mar de azeite
Que dá gosto vê-lo
Duas gaivotas
Um melro a cantar
Um doce
Um sereno abraço
À luz do luar

Um pé de conversa
Um bater de asa
Um lume aceso
Um sargo na brasa
Duas cantigas
Boas de entoar
Um sol
Pintado a vermelho
A morrer no mar

Relva, 2016-06-20
Aníbal Raposo







________________________________________________


ALVOROÇO

VOU PROTESTANDO
CONTRA OS MAUS VENTOS
QUE OS MOMENTOS
BONS, VÃO RAREANDO
NA TARDE INQUIETA
JÁ SE OUVE UM PRANTO
NESTE RECANTO
CHEIRA A SARJETA
ESTAR AGITADO
É OFÍCIO
DE POETA
NÃO ESTOU SOZINHO.
EM CADA ESQUINA
NASCE OUTRA SINA
UM NOVO CAMINHO
VAI-TE QUEIXUME
VIVO O PRESENTE
INTENSAMENTE
QUE A VIDA É LUME
O IMPORTANTE
É REMAR
CONTRA A CORRENTE
VÃO ME APERTANDO
NO TORNIQUETE
SOU UM JOGUETE
DUM VIL DESMANDO
POR QUE RAZÃO
NO MÊS CORRENTE
NUM DE REPENTE
FOGE-ME O CHÃO?
CABEÇA ERGUIDA
QUE ESTOU VIVO
E QUE SOU GENTE!

RELVA, 2013-12-02
ANÍBAL RAPOSO



TURMOIL

I'm going to protest
Against the evil winds
Because the good moments
Are so rare

In every disturbing afternoon
A mourning is already listen
This beautiful resort
Smells like sewage 

The poet job
Is to be agitated

I'm not alone
In every corner
A new fortune is born
And a new path to go

Go away whimper
I live for the present
Intensely
Cause life is fire

The most important
Is to raw
Against the current

They are sqeezing me
In a tourniquet
I'm a plaything
In a vile abuse

I can't understand why
In the middle of each month
Suddenly
I have no floor?

I'll keep my head on
Cause I'm alive
Cause I'm people!


__________________________

CONTRASTES

Se em mim procuras calma
Eu sou desassossego
Se queres é companhia
Eu vendo solidão
Se tu pretendes alma
Eu cedo desapego
Se buscas alegria
Eu vivo em depressão

Se anseias por esperança
Eu sou um mar revolto
Se não te interessa o joio
Eu não sou trigo são
Se procuras bonança
Sou um cavalo solto
Se careces de apoio
Está fria a minha mão

Se a planura é teu sonho
Nasci desfiladeiro
Se estimas água mansa
Em mim tens golpe de asa
Se me aspiras risonho
Não tens um bom parceiro
Se queres é confiança
Eu sou um ferro em brasa

Pensas que tenho emenda
Eu não sei merecer-te
Tu foges de tormentos
Eu renego verdades
Procura quem te entenda
Que não sei perceber-te
Tu não semeias ventos
E eu colho tempestades

Relva, 2012-10-30
Aníbal Raposo

________________________________________________________

CANTO DE AMOR E DE RAIVA

Muito padece de amor aquele que ama
A manhã dos olhos teus atiça a chama
Não me vou se Deus quiser
Sem a alegria de ver
Um enorme sol a arder
Na nossa cama

Em cada gesto teu há claridade
Em cada sorriso alvo uma saudade
Neste fogo abrasador
Sei-te bem, sei-te de cor
Voemos pois meu amor
Em liberdade


Pela barca portuguesa o povo teme
Nesse mar que se agiganta o casco geme
Não temos porto de abrigo
Ver um rumo não consigo
Nesta nau em desabrigo
Não há leme

Muito mal vai um país que os filhos drena
Brota de novo feroz a vil gangrena
Não posso, não me demovo,
Há que fazer que de novo
Volte a ser o nosso povo
Quem ordena


Aníbal Raposo
Ponta Delgada, 2012-12-01

__________________________________________


CANTIGA DE RODA

Cavalo velho
cavalo novo
aos dois o freio
e a carroça

Menino-escola
velho na praça
a ambos sempre
a mesma roça

Basta de vida
tão repetida
A cada um
a sua idade

A vida ao homem
a morte ao lobo
Cavalo velho
cavalo novo

Em muitas coisas
coisas e loisas
viva a rainha
desigualdade

poema de Mário Dionísio (de As solicitações e emboscadas, 1945)
música de Aníbal Raposo (2011)
RHYMED SONG

To the old horse
To the new horse
Give them both
the brake and the cart

To the scholl boy
To the old man seated in the square
Give them both
Always the same field

Say enough
To a bored life
Give to each one
Is own age

Life to the man
Death to the wolf
Old horse
New horse

In many things
Things and other stuff
Long live to the queen
inequality
______________________________________________________________________________


SER ILHÉU

Ser ilhéu é viver só
No meio de muita gente
De nós ninguém tenha dó
Temos o mar pela frente… 

É viver a liberdade
Em constante despedida
Já ter no lenço a Saudade
Antes de vir a partida

Saber cantar a folia
Saber benzer o quebranto
E dar vivas de alegria
Nas Festas do Espírito Santo

Também descer às fajãs
Beber da noite o luar
Apreciar as manhãs
E ouvir os búzios do mar

Não ter certezas nenhumas
Numa terra em convulsões
Acordar por entre as brumas
E adormecer nos vulcões

Seja qual for o momento
Ter calma, sermos serenos
Olhar bem o firmamento
E ver que somos pequenos

É pôr o sonho na mira
Estar em paz, mesmo na guerra
Saber tanger uma Lira
Numa viola da terra

Aníbal Raposo
2012-08-27

____________________________________


SETE

  

São sete as colinas
De Roma, a cidade.
Sete são as notas
Do som da amizade.

As cores são sete
Que o prisma refracta.
São sete os pecados
E um pastel de nata.

São arcanjos sete
De Deus impoluto.
E sete é também
O número absoluto.

As constelações
São o sete-estrelo.
O templo sagrado
Sete anos a tê-lo.

Sete são os Chacras 
Entéricos, um mito?
Seth, irmão de Osíris
Foi Deus do Egipto.

Sete são os selos
Do livro, proféticos.
Sete sacramentos.
Princípios Herméticos.


Sete belas artes
Na mesma procura.
Sete palmos tem
Cada sepultura.

Os deuses no Olimpo
Sete formas são.
Os planos são sete
Da evolução.

Sete as maravilhas:
O mundo se ufana.
Sete são os dias
De cada semana.

São sete as virtudes
São sete verdades?
Há muitos caminhos 

P'rás Sete Cidades.


Ponta Delgada, 2008-12-31
Aníbal Raposo




SEVEN

Seven are the hills
Of Rome, oh great city
Seven musical notes
The sound of friendship

Seven pure colours
Refracted in a prism
Seven are the sins
In a custard cream cake

Seven Archangels
From that God unpollute
As seven is also
The number absolute

The constellations up high
All seven pointed stars
Seven years to complete
The sacred temple

Seven are the chakras
Real or a myth
Was Seth brother to Osiris
Or a god in Egypt

Seven are the signs
In the books, prophetic
Seven sacraments
Hermetic principles

Seven the fair arts
All in the same pursue
Seven palms of earth
Each grave is assured

The Gods from Olympus
In seven shapes they come
For the final evolution
Seven steps are made


_____________________________________________


PERCO-ME EM TI

E houve barcos
A navegar
Pelo mar fora

Barcos sem rumo
Sem mãos no leme
Sem ter arrais

Sulcavam ondas
De salsa espuma
Não tinham hora

Foi navegar
Por navegar
Sem querer cais

Velas erguidas
Eretos panos
Cheios de vento

Parou o tempo
Nascem desmaios
E sons de mar

É sempre bom
Zarpar contigo
Meu doce alento

Sem faro à vista
Perco-me em ti
P'ra me encontrar


Ponta Delgada 2011-11-26



LOSING MYSELF IN YOU

There were boats
Sailing away
Onto the sea

Boats without guidance
Handless rudder
Absent captains

Carving the waves
In a salsa spray
Time since long lost

It was sailing
Just for sailing
Never to port

Sails to sky
Lifted drapes
Filled just with wind

Time stood still
Awake and fainting
Sounds of the ocean

Always so good
Sailing with you
My sweet deliverance

____________________________________________

SÓ DUAS PALAVRAS

Só duas palavaras
Vou deixar aqui
Para te dizer
Que não te esqueci

Os cabelos de oiro
Corpo fatigado
Os olhos tão claros
E o riso cansado

Fico sempre a pensar
Quando te beijo
Se isso é só desejo
Ou se haverá amor

Um pouco que seja
Um pouco ...

Vês falo de amor
E nem te conheci
Mas ainda assim

Vou deixar aqui
Só duas palavras
Para terminar

Pois são só palavras
Que te posso dar

Aníbal Raposo
1981

  
TWO WORDS

Only two words
I’m leaving here
To tell you
I never forgot you

The golden hair
In weary body
Eyes so clear
Your tired laughter

I can’t help but thinking
Just now when I kiss you
If its only desire
Or maybe some love
For slight it may be
For slight …

See me speak of love
Never even meeting you
But yet even so
I leave to you here

Just two words
To wrap things up
For only words
I can give to you


Aníbal Raposo
1981